Pesquisar este blog

sexta-feira, janeiro 02, 2009


Emprestei palavras de outrem por muito tempo. Senti o frêmito de seus amores, a solidão implacável de suas angústias, seus espantos noturnos convertidos em palavras andarilhas sobre alguma folha ou dorso disponível. Embebedei-me do furor alheio, admirei belezas estrangeiras como um exilado febril de ausência, toquei corpos incandescentes e senti os dedos gélidos, pois as mãos não eram minhas e o calor não se emanava por mim. Peregrinei insone em olhares fugitivos, habitei miragens e cantei elegias. Da poesia fiz expurgo, exorcismo vil, cárcere, alcova vazia... Sensatez infame! Embriaguem-se as palavras, dancem despudoradas, que os versos tropecem na verborragia úmida dos beijos. Deixai a beleza incólume crispar de desejo o mármore. Entregar-me-ei ao flagelo do efêmero. Sorverei o odor primaveril e acariciarei a textura outonal das peles que sobre a minha descansarem. E não encontrarei repouso senão entre versos moldados em corpos.