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terça-feira, novembro 20, 2007

Distante...


Fiquei longe daqui por um bom tempo. Perdi a Senha, como aquele ser exausto de seu cotidiano esquece-se da fachada do lar em um copo qualquer. Cansei-me de soletrar. Retornei. Preciso de espaço e nada melhor do que essa turba de pensamentos, reflexões, memórias, súplicas, desejos... Quero permanecer aqui por mais tempo. Do mesmo modo como desejo habitar a mim mesmo com mais assiduidade. Pensamos pouco em quão anônimos nos somos. Por vezes não basta o auxílio indiferente de espelhos. Ve-mos como vivemos, isto é, sem existir de fato. Fantasmas. Tanto pelo semblante diáfano, quanto pelo terror que infundimos a nós próprios. Harendt, em sua obra A Condição Humana, chega ao ponto de afirmar que a mesma é tão insuportável, a aflição que nos causa tão lancinante, que passamos boa parte de nossa existência tentando fugir dela. Talvez essa seja o tom do existir humano: fugir, escapar a todo o custo para não ceder à esquizofrenia de uma condição posta aqui e lá. A têmpera é o paradoxo. Mesmo a a limitada compreensão do pensamento platônico enquanto fundamentalmente dualista - está muito mais para ambíguo como diriam Heidegger e outros - baseia-se na constatação necessária de que a condição humana é fundamentalmente cindida. O desejo de vida confrontado com a consciência da morte não é o problema, mas o absurdo como diria Camus. A imaginação, a fantasia que nos distam daqui, do agora, do presente, também não, ao menos a priori. O alheamento de si. Eis o grande mal. Seja em deus, no outro, no mundo... a insuportabilidade da condição humana manifesta-se sob a forma de afastamento de nós mesmos. Como superar? Não quero essa respotsa, prefiro a perpétua tentativa de formular melhor a mesma pergunta...

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Eu...


Eu... Primeira. Pessoa. Ego(latria). Arrogância. Ausência. Multidão. Solidão. Aroma. Destempero. Chuva. Vidraça. Nome. Interrogoção. Dogma. Reticências... Estou com vontade de escrever hoje. Mas as palavras só saem como que regurgitadas por uma máquina antiga, escravizada por dedos indecisos e engrenagens confusas. Cada letra soluçada, estilhaço metálico ribombando seco na garganta. E o maldito "eu" escapando por todas as partes.

domingo, janeiro 21, 2007

I Congresso de Filosofia em São Thomé das Letras

Estou repetindo a postagem devido a importância e originalidade do evento. E também aproveito para expressar a ligação desse Blog - quase uma paternidade dividida - com o Blog http://praxisfilosofica.blogspot.com/ do meu grande amigo, irmão, companheiro de destino, de abismos, Alex Rodolfo, a quem devo a frase de Baudelaire que dá nome a esse espaço.
Em seu Blog, além de assuntos e discussões interessantíssimas - altamente engajadas - você encontra mais detalhes sobre o evento.

Olhar Longínquo...




O grego Aristóteles dizia que o sentido da visão era o que mais dava prazer ao homem, aquele que mais nos apeteceria. Baudelaire imortalizou os olhos do gato como espelhos nos quais encontramo-nos despidos. "E que eu olho para mim mesmo, Eu vejo com olhar demente A luz destas pupilas ralas, Claras fanais, vivas opalas, Que me contemplam fixamente...." Quantas e quantas vezes não buscamos trêmulos em meio a multidão veloz e caótica, cujos rostos se fundem na velocidades dos passos em inexpressivos traços, aquele olhar de punhal que, por um átimo, pefurou-nos a serenidade e voltou para o anonimato qual assassino em fuga? Estáticos buscamos na disciplina militar dos corredores humanos o negro volátil daqueles olhos, porém deparamo-nos com pupilas náufragas em neblina e coladas ao rés do chão. Desesperados abordamos pedaços de tecido moribundos e amladiçoamos os céus pela maldição da eterna presença em fuga que carregaremos em vigília nas horas de monólogo.

Costumo ser vítima de olhares com freqüência. Não que os atraia incotestes e pasmos para mim. Antes os obrigo pela insistência promíscua com a qual os fito, os seqüestro, os embaraço. Até mesmo sob a luz cálida de um lupanar, onde os olhares crispados de tinta e de álcool, travestidos de interesse e excitados por ofício, lhe forçam à generosidade perversa da solidão, assassinam-me certos olhares. Tão longíquo, de uma jade ambíguo. Poderia dizê-lo imerso no infinito, ávido de distâncias e paisagens imprescrutáveis. Pensá-lo como de tempestade. Duas centelhas verdes incontidas, tripudiando das mãos que as ignoram e da servidão à qual o corpo está voluntariado. Todavia, aquele olhar longínquo estava exilado na ausência, denunciado que aquela beleza fria havia deixado a alma em alguma gaveta esquecida, protegida dos sorrisos e dos prazeres de outrem.

I Congresso Filosófico em São Thomé das Letras

Esquecimento...




Negligências são impiedosas. Inexistem remissões, ritos purificadores, asceses, mortificações ou deuses capazes de perdoá-las. Rasgar as vestes, recorrer ao artifício dos poemas, jogar as cinzas da confissão e do desespero sobre a cabeça, berrar atos de contrição decorados ou espontâneos... nada sana as negligências. Os esquecidos se ressentem esquecendo.
Por ventura a técnica prodigiosa sintetizou alguma substância capaz de tapar os buracos com os quais minamos o tempo? Será que alguma religião recebeu do eterno liturgia pungente o bastante para comover aqueles que esquecemos, e dos quais, agora, mendigamos tolerância? A filosofia terá nos ofertado a palavra que esmorecerá a certeza da ausência, ludibriando com estratagemas lógicos as horas solitárias passadas cortejando-se a espera? Será que aqueles aos quais canto essa elegia lembrar-se-ão ou quererão ouví-la?
Esquecimento...

Anônimo...


Imagino ouvidos atentos nos quais eu veteria um falatório tirânico, verborrágigo, sangria de profundezas escavadas ao longo de uma vida empertigada em silêncio consentido, amordaçado, tímido. Palavrório fantástico para ouvintes fantásticos. Em ouvidos cálidos, dos quais respingam madeixas, faria entrar, serpenteante e despudorado, um hálito de balbucios, de redemoinhos tácitos, linguagem de calafrios. Calaria os receios vãos na penugem ouriçada de dourado que ornamentam aqueles que são reais.Imagino olhos benevolentes aos quais imporia a verve emperdinada das posturas altivas, vestidas de arrogância sob a qual tremula o pavor, obrigando-os à contemplação subalterna. Atitude etérea para olhares etéreos. Em cílios de cetim repousaria o cenho corrompido de seriedade, aninharia os sonhos em suas curvas encimesmadas, reclinaria os anseios e deixa-los-ia purgar em lágrimas. Nesses olhos fendidos de maestria, onde se outoniza a cerejeira, desnudaria-me de mim mesmo. Anônimo, porém, permaneço cativo desses olhos de sol nascente.

Noites...



As noites são damas arredias, cujo bailar dos vestidos obscurem de desejo os incautos que investigam seus segredos. Sempre temi as noites. Como quem olha para a lâmina de punhal fascinado por seu brilho e trêmulo pelo seu corte, aguardo ansioso o véu se estender sobre a terra e a volúpia humana fazê-lo tremular com seus desatinos plenos de existência fecunda e trágica.
As noites são mulheres cujo recato é uma aparência sóbria e instigante. Assemlham-se àqueles corpos que impõem a sutil malícia de pequenos continentes de pele habilmente distraídos a escapar sorrateiros do tecido negro que os encobre para adocicá-los de curiosidade.
Sinto o perfume dessa dama deslizar pela janela e vejo seus tornozelos desnudos saltinando por debaixo do firmamento ruborizado de estrelas. Mas seus olhos, a, seus olhos, esses não tenho a ousadia de mirar.

Ecos...



Mantive sempre as mãos cheias delas. Sementes para serem abudantemente lançadas. Costumam crescer céleres e famintas. De esquinas passam a países. Precoces crias amamentadas de vazio, prenhes de saudades não ditas, daquelas que transformam os dias em vigílias. Distâncias ficam belas em retratos. Lonjuras em tratados. O longíquo é sonoro. Transforma frases em ecos, promessas em súplicas serpenteando na memória, cheias de teimosia em manterem-se na superície exasperada da consciência, assaltando de imagens cálidas os leitos que jazem frios de solidão habitada.
Noite propícia para se falar sobre isso. Certa voz insiste em me recordar tais coisas. Um ronronar cujo hálito de tempestade não transgride a calma de meus pêlos, mas cuja presença teima em desafiar a ausência que lhe imputei tremendo. Essa noite é dela. Talvez, pela amanhã, ela passe por aqui desavisada e saiba que estou farto da condição de semeador de distâncias.

Insuportavelmente leve...



Alguns momentos são como pedaços perdidos de nós mesmos, cuja ausência desconhecíamos. Julgando-nos plenos esquecemo-nos precários, inconclusos, seres em aberto. Foi essa a sensação que tive hoje ao assistir ao magnífico "A Insustentável Leveza do Ser", baseado na obra homônima de Milan Kundera. Ainda deitarei meus olhos preguiçosos sobre as páginas desse livro e intento fazê-lo um pouco mais leve do que sou agora.Existir é um ato insuportavelmente leve. Tão solto. Tão livre. Tão disperso no ar que passamos a maior parte de nossos parcos instantes de viventes no ignóbil ato de forjar lastros, com o ingênuo intuito de que essas amarras nos obrigarão à imobilidade dos amores eternos, das promessas de terras etéreas, das exigências estúpidas que imputamos à vida.

Oráculo



"É para conhecer a si mesmo que é preciso dobrar-se sobre si; é para conhecer-se a si mesmo que é preciso desligar-se das sensações que nos iludem; é para conhecer-se a si mesmo que é preciso estabelecer a alma em uma fixidez imóvel que a desvincula de todos os acontecimentos exteriores. É, ao mesmo tempo, para conhecer-se a si mesmo que tudo isso deve e pode ser feito" (FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. 2004, p. 96).

Essa citação foi extraída de uma célebre obra de Foucault por um amigo meu de nome Luiz Henrique. Trata-se do desenvolvimento de seu trabalho de conclusão do curso de Filosofia, no qual ele aborda a temática do Óraculo de Delfos visando o resgaste de seu sentido existencial e não meramente racional. Tomo como base a reflexão empreendida por esse meu amigo para, com ele e com Foucault, compreender o que significa, de fato, cuidar de si mesmo.
Aprendi a desconfiar de conceitos prontos e opinições de prateleira. É claro que eles têm seus usos. São muitos úteis. Mas não agora. Refiro-me àquela convicção tacitamente generalizada de que habitamos uma época de degradação espiritual, moral - quem deseja a retidão nesse sentido? -, enfim, humana. Dizem-nos banais, efêmeros, iconoclastas. Paisagens sem horizontes a não ser os postos ao alcance imediato nos olhos - os melhores na minha opinião, mas isso não vem ao caso, por enquanto. Sem perceber acabamos concordando com tais fetiches e passamos a viver despossuídos de apreço pelas circunstâncias que são nossas e nós delas. Invertemos a relação essencial do cuidado, isto é, o sujeito que é capaz dele à revelia da situação à qual está consignado. Afinal, se cuidar de si implica em conversão do olhar, não podemos nos esquecer que o pressuposto são os olhos e não aquilo que os rodeia.

Loucura...


Há trabalho sobre a mesa. Os ruídos da televisão dispersam a atenção fugidia que ainda mantenho. O texto à minha frete não têm mais a voz de Heidegger. Fala estridente e arrogante como a Bia Falcão. Noite estranha. Frio abafado. Filósofos com vozes de astrizes. Reflexão embaralhada com diálogos de quinta. Minha mente navega mantendo respeitosa distância da insanidade que se avizinha. É a sedução do abismo. A face oculta e fundamental da indentidade a qual Foucault chama de loucura. Aquela a quem namoramos, pois ela está prenhe de existência, porém recuamos quando ela exige a nós mesmos como paga pelo seu leito.

Faz muito tempo.
Talvez quase nada.A
s horas mergulham dos ponteiros.
Os abismos do tédio e da solidão
As recebem com fragoroso silêncio.
Antes de se extinguir,
O instante cantou a brevidade de sua juventude
E pereceu engasgado sem antes ter sido ouvido.
Mas por que fatigar-se com as horas,
Quando a vida escandaliza a precisão dos segundos?
Sempre Indócil.
Não lhe apetece contar-se.
Deseja converter-se em memória;
E assim guardar os beijos furtados nos cantos dos lábios
E as lágrimas na cabeceira dos cílios.
Despreza a dissimulada rigidez dos retratos.
A imagem estagnada de pó e de tinta.
Sob a ânsia da lembrança a vida abraça o meretrício.
E lá se deleita em despir o tempo.
Rasgá-lo em formas e desejos,
E vê-lo nu, os números em pêlo.
Deitá-lo em solidão, de volúpia entre os braços.
Mas como amante traído,
O deus que passa-não-passando,
Coloca-lhe, bem debaixo do travesseiro,
A rosa da saudade,
Cujos espinhos lembrarão à vida
A sina atroz de ser passado.