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segunda-feira, setembro 29, 2008

De volta...


Retorna-te a ti mesmo. Conhecer-se é desnecessário, inócuo, mero claustro de convicções e certezas malemolentes, dóceis à piedade, ao enfado, à apatia. Estar consigo: eis o exercício mais visceral. Contemplar-se entricheirado em conceitos, aninhado em filosofia estrangeiras, absorto em transes psicanalíticos ou feito peso em corpos e dores alheias nada mais é do que ocultar-se de si, ver-se como um objeto, algo colocado sob uma placa pétrea, um vaso de raridade intocável, cuja textura jamais sentiremos. Conhecemos cadáveres, histórias, deuses. O que está vivo não se submete às certezas. O que vive baila, tripudia, sucumbe, fenece, passa.. Habita-te.

quinta-feira, junho 19, 2008

Alma


O argentino, Jorge Luis Borges, afirma que a essência da metafísica é o assombro, o phatos originário da filosofia, quiçá do humano. Sob a licença de tal definição, permito-me uma confissão, literal e poeticamente, assombrada. Sinceramente não creio ser possuidor de uma alma, uma centelha divina e eterna, encarcerada ou simplesmente submetida à precariedade da morada corpórea. Porém, estou certo de que há em nós um sopro, imanente, intenso, emanado de nossas entranhas, tão nosso que não pode, senão, constituir-se a própria transcenência. Quando esse hálito quente cessa tornamo-nos menos do que fantasmas. Perambulamos conscientes de nossa indiginidade, todavia impotentes. Pairamos no ar diferentemente da folha reclamada pelo vento, pois esta fastia-se na queda, enamorada pela última valsa nos ares. Até os mortos que dançam regozijam-se com a humana tragédia do fim, experimentando a vida já indiferente aos recalques e pudores. Em meio à turba em transe, vertiginada pela indistinção, caminhei solitário e consciente, incapaz de respirar e mesmo assim inutilmente vivo. Não há perdão que possa em alcançar agora...

terça-feira, maio 27, 2008

Ocultos


Noite alta. A luz esgueira-se. Pequenas manchas aninham-se nos cantos. Uma a uma as trevas as caçam, envolvem, consomem. Restam apenas luminescências domadas e entregues, prostituídas em sombras, em cujos gemidos contidos concentram-se olhos insones, entretidos com a sutil promiscuidade desses enamorados extremos. Ao oriente do leito um corpo ronrona suave. Sem formas aparentes ou lembranças ainda mornas que o tornem inconfundível, ele ondula na escuridão. Sua respiração adensa o ambiente. Oculto em aminésia noturna, o rosto ausente, recém beijado, o corpo ainda crispado pelos dentes que lhe colheram a flor da pele, o nome que se perdeu no desejo denunciam o dia eminente. Quem é ele? Ora, mais um corpo ao oriente do desejo. O que não se sabe mais é quem está no oposto hemisfério da pergunta, torcendo para que a luz continue restrita aos caprichos da noite.

sábado, maio 24, 2008

Melancolia




A melancolia é um refúgio precioso. Às vezes traveste de elevação o que é pura mediocridade. Adorna o óbvio fazendo-o passar por singularidade, a tibieza converte em arte. Alguns dirão, por exemplo, que os poetas são seres melancólicos, cindidos do cotidiano por um desejo de existir exasperado e exasperante, tão demasiado viventes que a maioria de nós, andarilhos moribundos, somente pode vê-los como espíritos obscuros, aos quais precisamos imputar a tristeza, o pesar, pois, do contrário, como suportar nossa maltrapilha felicidade? Certamente os poetas são melancólicos. Diria eu que por respeito ou luto por nosso entusiasmo calculado, pela infame soberba que nos mantém aquém da vida, enquanto eles estão absortos em amor fati, lançados à relva sobre o torso de Dionísio ou adormecidos gentilmente nos ombros de Apolo. Aos filósofos também cai bem a alcunha da melancolia, agravada pela ausência premeditada da realidade. Enquanto ao poeta dedica-se a compaixão, aos pensadores reservamos a distância da anedota. É mais seguro guardá-los trôpegos, com os olhos feridos pela poeira e os pés cambalentes no ar. Afinal, estamos tão enraizados que perdemos a capacidade das alturas, embora nos açoite o desejo por elas. Acovardados, prefirimos exorcizar as lonjuras a correr seus riscos e perdas. Àqueles que se aventuram pelas angústias da razão empurramo-lhes a melancolia, os guardarmos seguros no riso para que não ousem revelarem a nós a inapelável tristeza que nos devora tácita.

domingo, fevereiro 10, 2008



"Adormece ao seu lado, sinta seu hálito". Bons conselhos são como apelos à memória. Palavras incômodas que nos forçam a fazer turismo dentro de nós mesmos (lembro-me de uma tira da Mafalda nesse momento). Idéias novas não seduzem. Demoram a penetrar. Quando enfim o fazem, a aceitação é tão lenta quanta a cicatrização das feridas inflingidas em nossas estimadas visões de mundo. Conselhos eficientes são como segredos violados: julgávamos tê-los tão ocultos que ficamos estarrecidos ao percebê-los conhecidos, e pior, ditos sem misérias ou adulações por uma língua estranha e insubmissa. Como ela ousa saber-me? Como estou mais nela do que em mim mesmo? E as memórias violadas se oferecem como corpos despudorados, sinceros de desejo sobre alguma cama improvisada, quando a queríamos recatadas. Adormecerei hoje com esse hálito como companhia...