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domingo, setembro 05, 2010




Tudo o que vivi me constitui, ocupa espaço, é parte de mim. Contudo, interesso-me cada vez menos com o que tenho e miro o que ainda me falta. O que sou não me importa tanto, o que posso me tornar, sim. E não falo isso como quem carece de exorcizar o passado e precisa desesperadamente da ilusão de um vindouro feliz. Gostaria de me assemelhar ao nômade ao qual só interessam os horizontes, cujos olhos se ressecam quando forçados a amar o mundo emoldurado por alguma janela diminuta. Sem lonjuras a vida se ressente, se apequena, mesmo que o distante seja apenas uma ilusão como a lua, as estrelas, a verdade ou o amor, como já nos dissera Camus. Pergunto-me quais distâncias restaram em mim e me entristeço quando as vejo tão próximas, decrépitas e como temo aquelas que ainda se preservam intactas, mesmo que outrora fossem tão próximas...

quinta-feira, julho 15, 2010



Desespero. O verdadeiro medo possui uma característica aterradora. Solapa todas as nossas preciosas ignorâncias e estabelece a mais cruel percepção de nós mesmos. A mãe de todos os tipos de consciência, aquela que está para além das mentiras que contamos para suportar nossos fracassos cotidianos; que zomba dos edifícios metafísicos que criam fachadas de eternidade ante o fim iminente que se avizinha a cada piscar de olhos; que escarneia da autoestima de alcova, aquela que forjamos ante o espelho embaçado de cada manhã e que mantemos intacta graças aos adágios e elogios de gaveta que nos lançam por aí. O desespero impõe a visão lúcida acerca de si mesmo, sem subterfúgios, sem deuses. Sozinhos ante o que de fato somos. Obrigados a nos olhar, desnudos de razão, poesia e luxúria. O nosso corpo em sua profusão de defeitos despejado sobre nós, como um amante inoportuno que ousou permanecer ao nosso lado mesmo tendo passado a embriaguez. Cada sulco indesejado. Cada cicatriz que deixou de esculpir memória em nossa pele. Cada pedaço exasperado de saudade pelo toque que já se foi, mas que permanece ali sob a triste forma de um arrepio póstumo. Membro amputado, fantasma que está não-estando. Desespero, somente desespero...


sábado, maio 15, 2010



Não quero sentir. Não quero falar. Não quero escrever. Por um breve momento gostaria de não ser. Desaparecer como idéia fugidia, esse tipo que nos assola de repente e desaparece quando queremos guardá-la, retê-la em forma de memória ou de conhecimento. Não quero imaginar que não mais repousarei minha solidão em seus ombros acolhedores; que o dia encontrará seu ocaso sem que eu conheça o destino do seus sonhos e o peso de suas labutas. Não quero conceber que não me vestirei mais com a mesma indecisão, receoso em parecer suficiente agradável para ainda merecer seus olhares. Não quero ter a consciência de que a metade do meu olhar agora está opaca e meus horizontes desabitados. Não quero que conheças minha dor, pois ela me constrange a ponto de exigir de mim a sua eternidade...

terça-feira, janeiro 05, 2010

Apatia



Registro. Palavras frias. Escrever tornou-se burocracia. Não o ritual do qual depende a vida. Esta foi esquecida em algum livro antigo, mal lido, cujas páginas foram aprsionados sobre o peso outros escritos, encarcerando os demônios que à apatia quiseram devorar. Em noites como essas percebo as garras macilentas buscando a tenra e delicada pele de minhas ambições, a fim de dilacerá-las, prová-las, forçá-las a ser ao invés de permanecerem como incólumes ideais. Às vezes tento-me a lhes dar espaço e deixo cair, dois, três, quatro livros, em noites desesperadas desfaço-me de todos, mantendo apenas a palma vacilante de minha mão para o grande livre não se abra. E diviso olhos que já foram meus suplicando-me de volta. Rapidamente, atormentado, trôpego de medo e de desejo, lanço-o ainda mais profundo, acumulo ainda mais peso obre ele. E fico com essa imagem desgastada e burocrática de mim mesmo.