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sábado, maio 24, 2008

Melancolia




A melancolia é um refúgio precioso. Às vezes traveste de elevação o que é pura mediocridade. Adorna o óbvio fazendo-o passar por singularidade, a tibieza converte em arte. Alguns dirão, por exemplo, que os poetas são seres melancólicos, cindidos do cotidiano por um desejo de existir exasperado e exasperante, tão demasiado viventes que a maioria de nós, andarilhos moribundos, somente pode vê-los como espíritos obscuros, aos quais precisamos imputar a tristeza, o pesar, pois, do contrário, como suportar nossa maltrapilha felicidade? Certamente os poetas são melancólicos. Diria eu que por respeito ou luto por nosso entusiasmo calculado, pela infame soberba que nos mantém aquém da vida, enquanto eles estão absortos em amor fati, lançados à relva sobre o torso de Dionísio ou adormecidos gentilmente nos ombros de Apolo. Aos filósofos também cai bem a alcunha da melancolia, agravada pela ausência premeditada da realidade. Enquanto ao poeta dedica-se a compaixão, aos pensadores reservamos a distância da anedota. É mais seguro guardá-los trôpegos, com os olhos feridos pela poeira e os pés cambalentes no ar. Afinal, estamos tão enraizados que perdemos a capacidade das alturas, embora nos açoite o desejo por elas. Acovardados, prefirimos exorcizar as lonjuras a correr seus riscos e perdas. Àqueles que se aventuram pelas angústias da razão empurramo-lhes a melancolia, os guardarmos seguros no riso para que não ousem revelarem a nós a inapelável tristeza que nos devora tácita.

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